SER PORTUGUÊS




Nasci na invicta cidade do Porto na já distante década de 50 no seio de uma família burguesa portuense. Meu pai era o único garante do sustento de uma casa onde viviam os meus pais, os meus 3 irmãos e eu, o meu avô paterno e tínhamos duas criadas, uma mulher-a-dias e costureira que providenciavam as nossas necessidades. Nada nos faltava: frequentávamos os melhores colégios do Porto e o Verão, ou passava em alguma casa de campo ou acompanhava a minha mãe às termas. Eram experiências enriquecedoras, pois se no primeiro caso tomava contacto estreito com a Natureza, as gentes do campo, os seus costumes e tradições, no segundo permitia-me conhecer o outro lado do homem, as suas doenças, a dor, a saúde, ou a falta dela, e os benefícios das terapias naturais. Tive uma infância e adolescência feliz, orientada por uma educação sólida dentro dos preceitos éticos e morais, pautada por uma certa rigidez, mais disciplinar, transmitida pela costela alemã de minha mãe. Porém, chegados os 17 anos algo mudou, algo perturbava-me, precisava de respostas que não encontrava sobre o papel que o mundo, o meu país, reservava para mim: “quem sou eu, de onde venho e para onde vou?” Estive uma semana em silêncio e não falava com ninguém, nem com a família. Meu pai mostrava-se preocupado e, uma vez, interpelando-me a sós com paciência e compreensão, percebeu o que se passava. Propôs-me que conhecesse o mundo para além dos Pirenéus. Naquele tempo muitos outros estavam a fazê-lo, saltavam a fronteira, inclusivamente amigos. E foi assim que, aos meus 18 anos feitos (1971), embarquei na aventura mais perigosa, na mais alucinante viagem de conhecer o mundo para além deste rectângulo; no fundo, conhecer-me a mim próprio, como português no mundo. Era a vontade de descobrir novos lugares, novas gentes, outros costumes, outras religiões… uma panóplia de emoções e sentimentos com que se constrói o nosso Ser face ao desconhecido. Conheci e vivi em Paris, Lyon (onde frequentei a universidade), Bruxelas Amesterdão, Antuérpia… tomando contacto com realidades e vidas nunca sonhadas, experimentando muitos dos benefícios, mas também malefícios de um progresso e liberdade tão almejados pelas gentes deste lado dos Pirenéus. Foi em Lyon que, com 19 anos, abracei um projecto que viria a alargar mais os meus horizontes: a Nova Acrópole, presente em mais de 50 países diferentes; de dirigente em Paris fui convidado pouco tempo depois, pelo fundador internacional Prof. Jorge Livraga, a abrir uma secção em Portugal. E assim aconteceu em Agosto de 1979. Mas os tempos mudam e o mesmo acontece com a vontade dos homens e, para mim, este projecto sucumbiu poucos anos antes do limiar do ano 2000. No entanto, não desejaria deixar de realçar o quanto foi importante para mim, durante esses largos anos, ter encontrado homens e mulheres que muito me enriqueceram como ser humano e como Português. Um desses homens foi Rainer Daehnhardt. Aquando da visita à exposição nas Amoreiras Lusitanos – Quem Somos organizada por Rainer Daehnhardt, em 1988, tive o privilégio de conhecer um grande português de origem luso-alemã que me tocou profundamente com o seu sentir e amor a Portugal, a ponto de se estabelecer desde então um respeito e uma amizade que perduram todavia. Assim, enquanto director da Nova Acrópole publiquei, na década de 90, vários trabalhos e livros de Rainer Daehnhardt sobre a temática da História de Portugal e os feitos dos seus heróis, que tiveram um forte e positivo impacto na opinião pública. Posso afirmar que, sem exagero, desde essa altura os portugueses ao tomarem conhecimento de alguns aspectos que desconheciam da nossa história, nomeadamente com as obras que tanto sucesso tiveram Páginas Secretas da História de Portugal, Missão Templária nos Descobrimentos, Homens, Espadas e Tomates, Mulheres de Armas e Coragem etc. se consciencializaram da sua importância na história e no papel que tiveram e têm no futuro da humanidade. Rainer Daehnhardt, nascido em 1941 em Viena de Áustria, em plena 2ª Guerra Mundial, sentiu na pele os horrores dos desvarios humanos, o que o levou, mais tarde, a tornar-se um dos maiores especialistas a nível mundial de armas antigas como meio de compreender os móbiles que conduzem o ser humano na sua capacidade quer de destruir, quer de construir. Descendente de uma família de diplomatas alemães radicados em Portugal desde 1706, Rainer Daehnhardt tem ascendência materna portuguesa, bem como cinco filhos nascidos em território luso. O seu amor por Portugal revelou-se cedo, identificando-se plenamente com o gene luso, no que ele tem de heroísmo, abnegação, capacidade de improviso, espírito de tolerância e sentido universalista, no seu entender, único no mundo. Estudou a fundo a nossa História, reunindo para tal um acervo documental notável, a que as futuras gerações terão acesso graças ao recém-fundado Museu Luso-Alemão. Como filósofo da História anteviu nas décadas de oitenta e noventa, com base em inúmera informação a que teve acesso, bem como à sua percepção do encadeamento natural dos factos históricos, a cruenta realidade dos nossos dias. Assim, ao lermos os capítulos deste livro, a maioria deles escritos há mais de 15 anos, consciencializamo-nos da actualidade dos mesmos e de quanta razão tinha o Autor, que nos vinha alertando para o que está, HOJE, a acontecer. A mensagem que Rainer Daehnhardt aqui nos deixa é que há que preservar a identidade portuguesa como garante da nossa sobrevivência como povo e da nossa missão no futuro. Tal como nos diz o Autor, “a fim de acordar a nossa juventude para a realidade do nosso passado, resolvi escrever este e outros livros relacionados com o tema, cumprindo assim a parte que me cabe, no campo da minha especialização, para que futuras gerações possam ter acesso à identidade portuguesa.” Ser português é um estado de alma que não se limita a uma geografia… é uma forma de SER e de ESTAR consigo próprio, na relação com a família, com os amigos, com o país e, numa forma mais ampla e universalista, no contacto com os outros povos. Porém, existe um outro lado mais nebuloso do Ser Português que, de quando em quando, se revela em forma de velhos do restelo que coarctam os mais audazes; é como se existissem dois tipos de portugueses com destinos diferentes, determinados na frase sibilina de que em Portugal nasce-se ou por castigo ou por missão. Na sequência do pensamento de Fernando Pessoa, Rainer Daehnhardt diz que existem dois tipos de portugueses. “Uma parte da população auto-intitula-se o primo pobre dos europeus, que vive do lado de cá dos Pirenéus, mas como é um primo julga ter um certo direito em receber alguma riqueza que se criou no centro da Europa. Assim, andamos de mãos estendidas à espera que nos atirem algumas migalhas, que nos mandem algum dinheiro para cá. Quem vive assim nasceu como escravo, para escravo e escravo será. A outra parte da população portuguesa não se identifica com esta forma de ser português. Identifica-se com o português que eu chamo PORTUGUÊS GLOBAL. São homens e mulheres que têm orgulho da sua identidade, que vêem a sua ascendência não só centenária portuguesa, mas milenária lusitana e que orgulhosamente se afirmam em qualquer parte do globo com a sua identidade portuguesa.” Os portugueses possuem dois sentimentos antagónicos: de serem herdeiros ou descendentes de um passado histórico glorioso e, simultaneamente, de estarem atolados desde há séculos num ambiente de mediocridade a vários níveis. Daí os poucos altos e os muitos baixos (em termos de auto-estima) em que nos encontramos quando vivemos, por necessidade ou conformismo, alapados no pequeno rectângulo do ocidente europeu. Só que o gene luso fala mais alto do que os murmúrios amargos do português mediano e conformado. E é este gene luso que, sentindo-se atrofiado perante tão redutoras perspectivas de vida e horizontes tão curtos, reage heroicamente, lançando-se na grande aventura da descoberta de novas terras e oportunidades, fazendo jus à memória dos seus ilustres antepassados. O Português global e universalista tem a capacidade inata de integrar e de se integrar no meio que o rodeia de forma pacífica e tolerante, desempenhando, muitas vezes inconscientemente, uma missão de fraternidade e solidariedade, dentro do espírito do chamado Quinto Império a cumprir. Apercebi-me que o “Ser Português” não se conforma com horizontes estreitos. Nesse sentido, quis, já em idade madura, ver “Portugal de fora”, ou melhor dito, abraçar o Portugal Global, exilando-me voluntária e temporariamente no Brasil, percorrendo-o de norte a sul, para aí poder sentir o palpitar da Lusitanidade naqueles que, estando distantes da Pátria-Mãe, não deixam de ter orgulho em falar e, diria mesmo, em ostentar o nome de Portugal. E isso porque se identificam com os valores, a história e as tradições do nosso País. Têm uma percepção grandiosa do mesmo. À distância tem-se uma visão mais global e unificadora. As pequenas coisas, os actos mesquinhos reduzem-se a pouco mais que nada; pelo contrário, as grandes coisas, os grandes feitos, as qualidades intrínsecas ao povo sobressaem como fachos luminosos que incendeiam o nosso ser e elevam até ao infinito os nossos corações (outro símbolo de Portugal) e a nossa auto-estima. O gene luso, espalhado pelo mundo, ao contrário do que sucede no Portugal europeu, está mais vivo e compreende melhor o que é a Pátria e a missão a ela inerente, talvez devido à dor da ausência que desperta sentimentos olvidados e à própria “fibra” que caracteriza os pioneiros e os aventureiros do mais além... A capacidade de união da diáspora lusa é natural e bem maior do que na Metrópole e o seu entusiasmo e convicção aguardam o grande Apelo que terá de partir da Pátria-Mãe. Só falta soar o clarim! - Eduardo Amarante


O REGRESSO AO SAGRADO

"Falar sobre o Sagrado nos dias de hoje não é tarefa fácil, porquanto vivemos numa sociedade fortemente comercialista que tudo consome, até mesmo a literatura mais profundamente religiosa e espiritual. Tudo é pretexto para se fazer comércio. Quando assim acontece resulta difícil a verdadeira comunicação entre as pessoas, pois a margem é perigosamente estreita para se falar daquilo que é essencialmente importante: a nossa identidade humana, o que somos, o que queremos e para onde vamos.
A clássica atitude filosófica do espanto, da humildade, em suma, do amor à sabedoria, são virtudes hoje praticamente descartáveis. Porém, são estas mesmas virtudes primárias que nos possibilitam o retorno às Coisas Sagradas. Há que ter a consciência de que o homem sem a dimensão do sagrado perde a sua própria identidade de Ser." - Eduardo Amarante




EM DEFESA DA NOSSA IDENTIDADE



"As gerações de hoje deverão ter a coragem, a determinação necessária para defenderem o seu património histórico, a sua identidade, a sua enriquecedora diferença em relação a outras culturas, a outras identidades, para que no futuro todos possam beneficiar de uma autêntica e salutar convivência mútua, respeito e verdadeira fraternidade. Apesar do mito actual, recém-formado, do mundo global (que em termos práticos é a desagregação da identidade das nações), é necessário engenho e coragem política para lutar com honra e verdade contra quem quiser submergir qualquer nação que seja na teia de interesses inconfessáveis que anulam no ser humano a sua dimensão histórica e espiritual." - Eduardo Amarante