“O Carnaval, mais conhecido no meio rural como Entrudo
(introitus, entrada) é um rito de passagem de um tempo velho para um tempo
novo. Teve a sua última forma expressa nas Saturnais romanas, que
compreendiam um conjunto de ritos visando a expulsão das forças malignas do
Inverno, em vista da renovação da natureza.
Trata-se, fundamentalmente, de uma cerimónia de
purificação de fim de Inverno (a morte que precede a vida) para dar início a um
novo ciclo de fertilidade.
Originariamente, nessa ocasião acontecia um conjunto
de ritos, tais como purgações, procissões mascaradas (as máscaras representam as
almas dos mortos que apelam à vida, e a morte do Inverno), extinção e
reactivação do fogo, com vista à destruição de tudo o que representava o tempo
passado, para dar lugar, com o reavivar do fogo, à criação, à restauração das
formas.
Estes dias de festa são caracterizados por uma
licenciosidade sem malícia que funciona como uma catarse colectiva (abolição
das formas, regresso ao caos, prenúncio de uma nova ordem, de um renascimento
colectivo), onde se assiste à exteriorização da própria alegria. Nas aldeias de
Portugal esta festa é “inteiramente espontânea e desorganizada. O trabalho é
interrompido durante os três dias gordos, a ruptura com o quotidiano é total.
Em terras transmontanas, os festejos dos três dias de
Entrudo correspondem às Bacanais de Março. Celebrizam-se pelas grandes
comezainas, mascaradas e bailes.
O Carnaval é a expressão de antigos cultos agrários
associados ao Sol. Em certas localidades queima-se ou mata-se o Meco, figura de
palha que simboliza o Inverno ou a morte invernal da natureza. Desse modo, esta
festividade aparece como vestígio remoto das cerimónias de purificação das
forças malignas do Inverno, com vista à renovação da vegetação, cerimónias
essas que, reforçamos, tiveram sua última forma de expressão nas Saturnais
romanas.
Originariamente comportavam o sacrifício anual do Rei,
que transparece nos actuais enterros do Entrudo nas suas várias formas, nas
lutas do Verão e do Inverno, expulsões da Morte, etc., e caracterizavam-se pela
sua total licenciosidade, prenunciando magicamente a alegria causada pela
abundância que se adivinhava.
O Carnaval mergulha a sua raiz mais funda numa
cerimónia de carácter religioso em vista da fertilidade.” – Eduardo Amarante