PROCESSO MAQUIAVÉLICO CONTRA OS TEMPLÁRIOS

Os fracassos das cruzadas e o desaparecimento dos Estados latinos da Terra Santa destruíram os fundamentos materiais e ideológicos da actividade da Ordem do Templo. Os insucessos no Médio Oriente alimentaram uma onda de calúnias, entre as quais a de que os cavaleiros teriam feito acordos secretos com os muçulmanos, fugido do campo de batalha e traído os cristãos. 

Aproveitando o clima de grande tensão e de suspeição em que se vivia, os agentes às ordens de Filipe o Belo invadiram de surpresa, a 13 de Outubro de 1307, todas as sedes templárias em França. Não há dúvida de que, se Filipe o Belo engendrou a condenação e a morte dos templários com um maquiavélico cinismo, Clemente V conheceu um doloroso drama de consciência; caso contrário, não se compreenderia toda a sua indecisão, lentidão e silêncio. De qualquer modo, quer ele tivesse ou não participado em toda esta ignomínia, a verdade é que os irmãos do Templo foram condenados, a Ordem aniquilada, e os seus bens confiscados. O rei de França era o mais forte, e toda a veleidade em querer detê-lo nos seus intentos levantaria um grave e violento conflito entre a realeza e o papado. 

Ordem do Templo foi o bode expiatório na disputa que se travava entre o poder espiritual (o Papa) e os poderes temporais, as monarquias administrativas e territoriais. A verdade é que, não obstante todo o esforço em reunir testemunhos e depoimentos que incriminassem os templários num dos mais longos processos da história, não houve provas de heresia que satisfizessem a Comissão Pontifical, pelo que os templários foram condenados, mas não excomungados, isto é, culpados perante a justiça humana, mas inocentes perante a justiça divina… 

 in Eduardo Amarante, "TEMPLÁRIOS, Vol. 3 - A Perseguição e a Política de Sigilo de Portugal: a Missão Marítima"


A TORTURA INFLIGIDA AOS TEMPLÁRIOS

Em relação aos meios de tortura utilizados, poupamos o leitor às descrições mais violentas sem, no entanto, deixarmos de apontar as mais frequentes como forma de, por si, tomar consciência não só do modo bárbaro como eram feitas, mas também da razão por que muitos dos cavaleiros templários se viram obrigados a prestar falsas confissões, ao gosto dos seus carrascos, a fim de se libertarem desse sofrimento.
Nós mal podemos imaginar o que é que a palavra tortura podia conter de crueldade e de sofrimento. Recordemos que, antes de serem levados das profundezas dos calabouços perante o juiz implacável, os acusados já haviam passado longas noites e dias agrilhoados, no meio da obscuridade e do frio, sem se poderem mover e debilitados pela fome.
(...) Não obstante, a maior parte desses monges-guerreiros, considerando que era pecar contra Deus e contra a sua Ordem proferir tais e tão grosseiras mentiras, recusavam.
(...) Então, vendo que não conseguia vergar o acusado pela sedução, o inquisidor entregava-o aos carrascos. Estes começavam por despir o paciente, que se tornava assim mais vulnerável pela humilhação que sentia; os seus pés, ainda inchados das correntes do calabouço, eram amarrados a enormes pesos de ferro fundido; as suas mãos, ainda feridas dos punhos de ferro, eram amarradas atrás das costas, passando a corda à volta de uma polé; esta era puxada vigorosamente, deslocando assim os tendões e as articulações. Durante todo esse tempo, que parecia interminável, o escrivão impassível anotava não só as palavras que o justiçado eventualmente viesse a pronunciar, mas os gritos, os gemidos, as lágrimas e os suspiros. Por vezes, para diversificar as dores, o carrasco largava de súbito a corda, e o corpo estatelava-se brutalmente. Havia, contudo, certos juízes que “descobriam” torturas inéditas. O bailio de Mâcon mandou pender o irmão Gérard de Passay pelas partes genitais. Um suplício clássico era o do fogo: untavam-se de banha os pés do paciente e pegava-se-lhes fogo.
Com estes requintes diabólicos, os inquisidores obtiveram inúmeras confissões. Poderemos ficar surpreendidos com esta fraqueza da parte de monges-guerreiros heróicos, que haviam demonstrado em numerosas ocasiões o desprezo pela dor. Porém, há que mencionar que alguns deles, mais ingénuos, tinham reconhecido com sinceridade crimes imaginários, não por medo, mas por reverência para com o Papa e o (grão) mestre, após a audição das falsas cartas. É preciso recordar, no entanto, que, entre os cento e quarenta templários submetidos a uma pressão psicológica e a uma dor física insuportáveis, trinta e seis, só em Paris, não soltaram uma única palavra e preferiram morrer das torturas...
in Eduardo Amarante, "TEMPLÁRIOS, Vol. 3 - A Perseguição e a Política de Sigilo de Portugal: a Missão Marítima"


A “PROFECIA” CUMPRE-SE...

Apesar da Ordem do Templo ter acabado de morrer, naquele momento, em França, com a morte dos seus principais dignitários, os mais importantes protagonistas deste trágico caso, ao contrário do que esperariam, dele pouco iriam aproveitar:
• Um mês mais tarde, a 20 de Abril de 1314, o papa Clemente V morreu de desinteria e vómitos;
• O rei ficou paralítico após uma queda de cavalo em Fontainebleau, acabando por morrer no dia 29 de Novembro desse mesmo ano;
• Quanto a Nogaret, morreu de morte súbita em Abril de 1313, entre o concílio de Vienne e a execução de Jacques de Molay;
• Enguerrand de Marigny, acusado de alta traição no reinado de Luís X, foi enforcado em Montfalcon a 30 de Abril de 1315;
• Quanto aos juízes eclesiásticos Imbert e Plaisians, morreram igualmente de morte violenta.
Será que se tratou realmente de uma “maldição” proferida pelos templários no momento do seu suplício pelo fogo, tal como afirmam alguns historiadores, ou tratar-se-ia antes de uma visão profética captada nos últimos momentos de vida pelo mestre desta prestigiosa Ordem monástico- -militar, rodeado pelas chamas no alto da sua fogueira? Só o próprio poderia responder. De qualquer modo, e por ocasião do desenlace trágico deste iníquo processo, o povo cristão viu a intervenção divina na morte rápida e inesperada dos seus autores.
Célebre é a tradição tardia, segundo a qual o mestre Jacques de Molay, na fogueira, citou Clemente V a comparecer perante Deus nos próximos quarenta dias e o rei de França nesse mesmo ano. Ferretus Vicentinus atribui esta citação não a Molay, mas a um templário que teria sido conduzido perante Clemente V após a morte do mestre. No entanto, é lícito supor que Molay, na fogueira, tenha profetizado a vingança do Céu sobre os carrascos da Ordem do Templo.
A verdade é que, coincidência ou maldição, Clemente V morreu de desinteria e de vómitos em Roquemaure, a 20 de Abril de 1314, trinta e três dias após o suplício da sua vítima, e Filipe o Belo deixou este mundo em 29 de Novembro desse mesmo ano com apenas 46 anos. Escreveu Villani:
“O povo atribuiu a morte prematura de Filipe à cólera do Céu, que vingava assim Bonifácio VIII e os templários.”
Quanto a Carlos II d’Anjou, que enviara para a fogueira em 1308 os templários da Provença, morreu subitamente no ano seguinte.
in Eduardo Amarante, "TEMPLÁRIOS, Vol. 3 - A Perseguição e a Política de Sigilo de Portugal: a Missão Marítima"