UMA PÁGINA NEGRA DA HISTÓRIA DO EGIPTO


A invasão dos Hicsos[1], ou reis pastores, de origem semita e procedentes da Síria[2], veio abalar durante dois séculos a estrutura político-religiosa do delta do Nilo até Mênfis, tendo mesmo facilitado indirectamente a súbita entrada dos judeus no Egipto[3]. Tebas, ao sul, resistiu heroicamente, até que acabou por capitular sob Khian, o mais poderoso dos reis hicsos. Contudo, a heróica Tebas conseguiu repelir o jugo hicso, estabelecendo um Principado independente que deu origem à XVII dinastia, recomeçando, a partir de então, a reconquista do Egipto, sob a protecção solene de Amon, deus tutelar da mística Tebah que, mais uma vez, soube defender o território contra a mediocridade e a ignorância. Os hicsos vencidos refugiaram-se no sul da Palestina.
Durante a ocupação semita – uma das épocas mais negras da história egípcia – tanto os costumes como a religião foram corrompidos. Os sacerdotes viram-se obrigados a sujeitar-se perante a idolatria e o culto do boi Ápis introduzido pelos invasores. Mas tudo isso exteriormente porque, interiormente, os iniciados egípcios acharam necessário proteger “a verdade esotérica, recobrindo-a com um triplo véu. À difusão do culto popular de Ísis e Osíris corresponde a organização interna e sábia dos pequenos e grandes Mistérios. Estes últimos foram rodeados de barreiras quase intransponíveis, de perigos tremendos. Criaram-se as provas morais, foi-lhes exigido o juramento do silêncio, e a pena de morte foi rigorosamente aplicada contra os iniciados que divulgavam o mais pequeno detalhe dos Mistérios. Graças a esta organização secreta, a iniciação egípcia chegou a ser não só o refúgio da doutrina esotérica, como também o crisol de uma ressurreição nacional e escola das religiões futuras. Enquanto os usurpadores coroados reinavam em Mênfis, Tebas preparava-se lentamente para a regeneração do país. Do seu templo, da sua arca solar, saiu o Salvador do Egipto, Amósis, que expulsou os Hicsos do país, restaurando a ciência egípcia e a religião.”[4]

In “Profecias”, Eduardo Amarante




[1] O termo grego Hicsos deriva do egípcio Hik-khoswet que significa “governantes de países estrangeiros”.
[2] Estes reis pastores das XV e XVI dinastias são os sucessores dos invasores atlantes citados por Platão no Crítias e no Timeu.
[3] Este facto ocorreu nos tempos do José bíblico, patriarca hebraico, filho de Jacob e de Raquel, que fora vendido pelos seus próprios irmãos a uns mercadores e que mais tarde, por ter interpretado um sonho do faraó, foi por este nomeado governador supremo do Egipto e casou com a princesa Aseneth.
[4] Édouard Schuré, Les Grands Initiés, Paris, 1983.