A 18 de
Março de 1314, por ordem do rei, um estrado foi colocado no adro de Notre-Dame,
onde se concentrou a multidão para ouvir a sentença. Os condenados e os juízes
subiram ao palco para dar início a tão tétrico espectáculo. Jacques de Molay,
encarcerado em Paris, compareceu juntamente com outros três dignitários da
Ordem, Hugo de Payraud, Geoffroy de Goneville e Geoffroy de Charnay, perante
uma comissão de três cardeais, para ouvir a sentença do concílio presidido por
Filipe de Marigny. Um dos cardeais recordou os “crimes” dos acusados e leu a
sentença: os quatro templários eram unicamente condenados à prisão perpétua, “por terem ingenuamente confessado os seus
crimes.”
Foi então
que, de súbito, aconteceu um golpe de teatro.
Para espanto
geral, o mestre dos templários, Molay, sem para tal ter sido convidado,
dirigiu-se ao público que se amontoava a seus pés:
“É justo que, num
dia assim tão terrível, e nos últimos momentos da minha vida, eu revele toda a
iniquidade da mentira e faça triunfar a verdade. Declaro, à face do Céu e da
Terra e confesso (…) que a nossa Ordem está inocente. Fiz a declaração
contrária para suspender as dores horríveis da tortura, e para aplacar aqueles
que mas faziam padecer. Sei dos suplícios que foram infligidos a todos os
cavaleiros que tiveram a coragem de revogar uma tal confissão; mas o ignóbil
espectáculo que me é apresentado não é capaz de me fazer confirmar uma primeira
mentira por uma segunda: a uma condição assim tão infame, eu renuncio de
coração à vida.”
E
acrescentou solenemente:
“A Ordem do Templo
é pura. Ela é santa e está inocente de todos os crimes de que a acusam.”
Jacques
Molay reclamava a sua inocência e a da Ordem, afirmando que esta era pura e que
a Regra era santa, justa e cristã e
que jamais cometera os crimes e as heresias que lhe eram imputados e que o seu
único crime consistia nas falsas confissões anteriormente pronunciadas sob
tortura.
Esta
proclamação de inocência, retomada por Geoffroy de Charnay, caiu como um raio
no adro de Notre-Dame. Adivinha-se a emoção do povo aquando do anúncio desta
revelação, mas também a cólera do rei. Era preciso fazer parar imediatamente
tão inconvenientes personagens. Filipe o Belo decidiu, então, que eles seriam
queimados vivos ao final da tarde desse mesmo dia. Por ordem sua, duas piras
foram montadas na ilha dos Judeus, de frente para a catedral de Notre-Dame.
O vigésimo segundo mestre da Ordem, antes de
desfalecer sob o ardor das chamas e com o olhar deliberadamente voltado para
Notre-Dame, realizando um último gesto simbólico, teve o cuidado de tirar o seu
manto; esse gesto ritual indicava indubitavelmente que a Ordem do Templo não
tinha falhado a sua missão, que conservava toda a sua dignidade e que estava
assim inocente de todas as acusações que lhe haviam sido imputadas.
O abandono do manto sugeria a salvaguarda dos segredos da Ordem para o futuro,
até que esta porventura ressurgisse um dia tal como Fénix renascendo das suas
cinzas.
No dia 18 de
Março de 1314, à hora do crepúsculo, na presença do rei que não quis deixar de
contemplar a sua obra, Jacques de Molay e Geoffroy de Charnay foram devorados
pelas chamas; “protestando sempre, até ao
último suspiro, a sua inocência e a da Ordem, eles mostraram uma energia e uma
resignação dignas do seu cargo e da sua virtude.”
A Ordem do
Templo foi extinta no primeiro quartel do século XIV às mãos de Filipe o Belo,
rei de França. Morreu abandonada pelo seu protector natural, o Papa, que acabou
por se render sem condições à vontade do rei.
Filipe o
Belo saía vitorioso. Mas, num ápice, Filipe o Belo obteve o efeito contrário
àquilo que pretendia. O povo de então ficou impressionado com a dedicação
destes cavaleiros templários, tão injustamente condenados, que, morrendo
calabouços ou na fogueira, não deixaram de defender a Ordem, exaltando a sua
inocência. Ainda as piras não estavam totalmente apagadas e já a multidão se
precipitava sobre elas para recolher as cinzas. Era o próprio povo que acabava
de canonizar aqueles que considerava, desde então, como mártires.
O sacrifício da morte e a afirmação por parte de
Jacques de Molay da inocência da Ordem foi a cartada decisiva e final que fez
gorar todo o plano engendrado, durante anos, pelo rei de França, Filipe o Belo,
quase sempre em conluio com o poder eclesiástico. O mestre da Ordem, com esta
acção, inviabilizou a condenação da Ordem do Templo, pois não havia matéria de
facto que a culpabilizasse: tinha-a proclamado inocente.
in Eduardo Amarante, "Templários, Vol. 3 - A Perseguição e a Política de Sigilo de Portugal: a Missão Marítima"