O Infante D. Henrique, também denominado o “Navegador”,
nasceu no Porto a 4 de Março de 1394. Filho do rei D. João I, Mestre de Aviz
e de D. Filipa de Lencastre, cedo começou a dedicar-se aos estudos náuticos,
astronómicos e matemáticos. Antes, porém e mercê da cuidada educação
cavaleiresca que tivera, juntamente com os seus sete irmãos, na casa real onde
sua mãe, inglesa de origem, da ilustre família dos Lencastre, os iniciara no
espírito das ordens de cavalaria medievais, o Infante, após ter sido nomeado
pela própria Dona Filipa, numa cerimónia exemplar, cavaleiro de Aviz, teve a
oportunidade de mostrar os seus dotes de coragem e de firme vontade na
conquista da cidade de Ceuta, no norte de África, na qual se notabilizou pela
bravura com que combateu.
Após os deveres militares cumpridos e movido pelo seu
carácter profundo e austero, o Infante decidiu instalar-se em Sagres, no
extremo ocidental da Península, onde terá fundado a escola marítima da qual
saíram os mais prestigiosos descobridores dos novos mundos.
No seu recolhimento em Sagres, o guerreiro de outrora
empenhava-se dia e noite numa nova cruzada, mais mental, mais grandiosa: a luta
contra uma Europa descrente que acabara por renunciar, desanimada e céptica,
à nova rota dos mares. Assim, sobrepondo a sua vocação marítima a todos os
desejos temporais, não houve sombra terrena que lhe passasse pela mente. Puro
de espírito como um cavaleiro do Santo Graal, tornou-se frade de uma nova
ordem: a cavalaria dos mares. A sua força situava-se na sua convicção, na
vontade inquebrantável de transformar as superstições e as trevas de uma
época em que o mundo via no oceano a noite eterna, numa nova luz, num mar aberto
ao influxo da civilização. O interesse comercial nunca foi o motor
impulsionador deste sublime empreendimento levado a cabo pelo Infante. A única
preocupação de D. Henrique era a descoberta de novas terras, apoiada em
objectivos científicos, espirituais e humanistas.
O Infante foi um sonhador, mas teve o mérito de viver para
esse sonho. Sob o seu impulso entusiástico e persistente a grande epopeia
marítima abriu ao mundo novos mundos, permitiu o avanço das ciências e, o
mais significativo, contribuiu definitivamente para a queda de uma Idade Média
dividida e abalada pelas sucessivas crises de ordem religiosa, económica e
social.
(...) D. Henrique faleceu em Sagres no ano de 1460 sem ter
visto o seu sonho realizado. No entanto, isso pouco lhe importava, atendendo à
gigantesca dimensão do plano que o possuía, para o qual a sua efémera
existência bem curta era.
(...) Os frutos deste grande sonho foram colhidos pelos seus
sucessores, perante uma Europa até então dividida, descrente e arrogante.
Portugal, através da persistência e do método inteligente e organizado do
Infante, abriu o caminho aos novos mundos, à esfericidade da Terra, ao combate
contra a ignorância obscura da Idade Média. D. Henrique encarna tudo isto. O
seu sonho do aparentemente impossível fez-se realidade.
O grande mérito que terá tido este Príncipe solitário
foi o de fazer acreditar o seu povo no sonho que o possuía. Por isso mesmo
não viu o fim da sua obra já que esta transcendia todos os factores da
humilde condição humana. O que impulsionou este espírito genial, como
impulsiona, aliás, todos os homens possuídos de génio, não podem ter sido
os factores comuns que apenas alcançam os historiadores comuns. Não foi uma
religião, nem a riqueza, nem a ciência que moveram o espírito ardente do
Infante. Apenas a busca da transcendência humana, a vontade de ultrapassar os
limites dos horizontes físicos, a luta sem tréguas contra a natureza
indomável, as dúvidas, os medos, o desconhecido.
Eduardo Amarante