A existência de aberturas em estelas e esculturas ibéricas, representando frestas de portas, têm originado interpretações nem sempre coincidentes, lacunas quanto ao seu real significado ou mesmo erros graves na sua apreciação. Sabemos que a existência de orifícios em tampas tumulares alentejanas, da Idade do Bronze, simbolizavam uma abertura para a passagem das almas. Também não é raro encontrar em sarcófagos egípcios a imagem de uma porta. “Em toda a antiguidade grega, etrusca e romana, diz J. Leite de Vasconcelos, foi costume figurar portas em lápides e estelas funerárias, para se representar a passagem das almas por elas para o outro mundo; tornaram-se pois símbolos do sepulcro e da vida futura, chamando-lhes os arqueólogos portas fúnebres e portas do Hades. Em algumas aparece o próprio Hermes (ou Mercúrio) Psicopompo no acto de conduzir as almas.”
No simbolismo ctónico-funerário chamava-se à entrada do Hades a “Porta do Sol”, evocando sugestivamente a ideia de um nascimento para a luz do espírito. Trata-se de um rito de passagem de um estado a outro, isto é, mediante rituais funerários simbolizados pela porta que deve ser atravessada, assegurava-se o renascimento post mortem. É significativa a presença de Hermes Psicopompo que, à semelhança do Anubis egípcio ou do Xolotl mexicano tem a faculdade de ver nas trevas, o que lhe confere o papel iniciático de condutor da alma-peregrina através das regiões infernais, recheadas de perigos astrais, até à morada dos bem-aventurados.
Na religião cristã são bem conhecidas as portas do Inferno. Há igualmente estelas sepulcrais árabes, achadas em Espanha, semelhantes a um arco de ferradura, com o que se aspira a representar a porta da outra vida ou do Paraíso”.
Se atendermos ao facto de que toda a casa é um microcosmos ou imago mundi, isto é, tal como a cidade e o templo é um centro do mundo para aquele que nela mora, com o seu santuário reservado ao culto dos Manes, veremos que a porta assume de facto uma função mediadora e constitui uma possibilidade ou uma barreira quanto à passagem de um estado a outro, do domínio do profano ao domínio do sagrado.
A própria palavra templo significa a divisão existente entre o espaço profano e o espaço sagrado e, por conseguinte, através da porta de acesso faculta a passagem de um plano a outro. É por isso que em todos os recintos sagrados a porta que dá acesso a uma nova dimensão espiritual está sempre voltada para o ocidente. Os fiéis ou os neófitos fazem o percurso ascendente desde as trevas, que simbolizam a morte para o mundo profano, até ao oriente de um re-nascimento ou iniciação no sagrado. (O significado primitivo do verbo orientar depreende-se no atrás exposto).
Em última análise, a passagem da porta simboliza a iniciação no conhecimento.
in "UNIVERSO MÁGICO E SIMBÓLICO DE PORTUGAL", Eduardo Amarante