A EMBLEMÁTICA BATALHA DE OURIQUE - DE MILAGRE A PRIMEIRO MITO DE PORTUGAL


Segundo os cronistas antigos, a batalha de Ourique foi a pedra angular da fundação de Portugal como reino independente. Ali os soldados aclamaram rei o jovem príncipe que os conduzira à vitória sobre cinco reis mouros e os exércitos sarracenos de África e de Espanha. 

Foi a mais célebre de todas as histórias de lutas contra os mouros . 
Os momentos que antecederam a batalha são assim relatados por André de Resende: 
“Afonso ocupou a colina onde estava uma antiga ermida em que determinado velho, de proveta idade, vivia entre os mouros como um ermitão e que, devido à pobreza e santidade de vida, por ninguém era provocado injustamente. O quase infindável contingente militar de Ismar enchia todos os campos em redor e já esperançadamente se via a tragar os adversários cercados. Não parecia aos nossos soldados ser decisão avisada combater contra tão grande multidão, pois cada um deles teria de defrontar no combate para cima de cem inimigos, mas o príncipe robusteceu o espírito dos seus soldados por meio de um discurso cheio de esperança e firmeza. Ao mandá-los dispersar ordenou que tratassem de seus corpos e que aguardassem alegremente o dia seguinte que era santificado ao apóstolo Tiago, padroeiro das Hispânias. 

Como tivesse anoitecido, veio aquele anacoreta à presença de Afonso e exortou-o a ter coragem com a revelação de uma profecia. Disse-lhe que à hora da noite em que ouvisse o som de uma sineta que estava na capelinha deveria sair da tenda pois lhe iria aparecer no ar Cristo suspenso da cruz. 

Afonso, contente com uma notícia tão desejada e tão inesperada, velou toda a noite aguardando o prometido. E assim, ao romper da alva e antes do dia, ao sair da sua tenda real quando tinia a sineta, pôde olhar para o Senhor crucificado, suspenso no ar. Arrastado, quase fora de si, pelo prazer desta visão, adorando-o dizia assim: ‘Será verdade, ó Salvador do mundo, que me apareces a mim neste momento? Mas por que razão apareces àquele que em ti crê e que te honra com a maior devoção? Antes te dignasses a aparecer a estes infiéis, ignorantes da tua divindade, inimigos teus e portanto meus, para que compreendam o mistério da tua cruz e deixem de ser insensatos’. 

Quando com estas e outras palavras semelhantes prosseguia, como que em êxtase, foi muito agradavelmente surpreendido pela voz de Cristo que lhe falava e prometia vitória. Logo que a divina aparição se recolheu ao céu, pediu as armas, ordenou que se armassem os soldados, que se formassem as linhas de batalha e que as tubas em uníssono dessem o sinal. 

Alguns dos chefes procuraram-no em nome do exército, dizendo: 
- ‘Os teus homens, valente chefe, pedem que lhes permitas saudar-te como rei’. 
Mas ele respondeu-lhes: 
- ‘Fidelíssimos companheiros de armas! Coube-me a mim, entre vós, o nome e título suficientemente honroso de príncipe. Não ambiciono outro. E ainda que o desejasse muitíssimo ou quisesse aceder ao que pedis, nem o momento nem o local o permitem. Esforçar-me-ei por que não vos desagrade como vosso chefe; esforçai-vos vós para que eu como chefe não tenha a lamentar a perda de soldados’. 

A resposta foi a seguinte: 
- 'Não só prometemos o que pedes como, quanto a nós, não faltaremos ao dever. Mas pelo rei combateríamos com mais ardor, venceríamos com mais honra e morreríamos mais alegremente’. 
Então, depois de quase terem forçado a quem se escusava, foi aclamado por três vezes em altos brados e ao som das tubas, clarins e tambores: 
- ‘Vida e vitória para Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal’! 

(...) Afonso, o novo rei, portanto, ficou nos arraiais durante três dias conforme era hábito dos vencedores, tendo deixado o despojo para os soldados. 
Ele próprio, que até então usava um escudo branco, imaginou insígnias que representassem o combate que ali se passou. Em primeiro lugar, porque no ar olhara para Cristo pregado na cruz, desenhou no escudo de prata uma cruz da cor do céu; depois, porque tinha vencido cinco reis, separou com a própria cruz cinco escudos; em cada um destes representou trinta moedas de prata, porque se considerara que por essa soma fora vendido o Salvador do mundo. 
O desenho das moedas foi modificado por uma questão de comodidade pelos reis que se seguiram e em cada um destes escudos foram colocadas cinco moedas em forma de cruz, aproximadamente com a forma da letra X, de maneira que, contando duas vezes, o que está no meio e como a conta é feita desde cima e de lado a lado, se perfaz o número trinta. 
Foram estas as insígnias que naquele momento e naquele lugar se adoptaram. Quanto aos sete castelos que no campo rubro do escudo régio rodeiam as orlas, relacionam-se com outra história.” 

in Eduardo Amarante, "TEMPLÁRIOS, Vol. 2 - A Génese de Portugal no Plano Peninsular e Europeu"