Emblema típico da
“contra-evolução”, o Velho do Restelo é tão antigo como o mundo; é a
força da inércia por oposição à força do progresso. Estas duas forças
alternam-se, marcando o ritmo do Universo, e sucedem-se no tempo com as suas plasmações
no espaço.
Este personagem, genialmente
captado por Camões, não tem lugar nem tempo específicos; umas vezes é
vencido e outras parece vencer. Etéreo, chega a corporizar-se; moinho de
vento, chega a passar por gigante. Tem a força de um mito, pois habita no mais
recôndito do próprio homem. Alimenta-se de alienações e aí reside todo o
seu vigor por ser difícil ao humano ver em si aquilo que vê nos outros. Com
efeito, uma época detecta as alienações no passado, mas não no presente.
Na actualidade, o Velho do
Restelo surge esplendente com a sua velha arma: o pré-conceito, ou seja, um
modelo forjado na sua vetusta oficina, moldável ao mais amplo espectro de
circunstâncias específicas ou genéricas, revestindo- se do verniz da
originalidade que lhe dá o brilho de conceito. Mas não é! Trata-se apenas de
um preconceito, agora potenciado em mito.
Diz-nos, por exemplo, que a
democracia é boa, é panaceia, é o topo da evolução política dos povos. Se
assim o fosse, porque é que, então, não se democratiza totalmente a
família? Por que não decidem todos por votação, pais e filhos? Por que se
obrigam os filhos a ir à escola? Por que é que há ensino obrigatório? Porque
ainda são crianças – responderiam.
Se, por um lado, analisarmos
a “pressão” informativa a que as pessoas estão sujeitas diariamente,
incluindo nesta pressão o facto de a grande maioria do povo nada saber de
política, entender pouco ou nada do que os políticos dizem e, ainda, o que é
pior para os “ingénuos defensores da democracia”: não se interessam pela
política e nem querem saber dos políticos. Isso é tão verdadeiro quanto aquilo
que nos é dado observar, ou seja, a maioria dos homens interessarem-se mais
pelo futebol, as mulheres pelas modas, e ambos pela praia, férias, comida e
telenovelas. Claro está que este fenómeno se dá nas cidades, pois as pessoas
no campo (ou afastadas dos centros urbanos e que vivem no interior)
interessam-se essencialmente pelo pão que o trabalho lhes dá e pelos
bailaricos ou reuniões de domingo, organizações de festas, etc. Se chegam a
falar de política é para discutir os novos aumentos, o nível de vida que
afecta o pão de cada dia... Pouco lhes importa os que estão no governo, o que
pensam e o que dizem, porque não po deriam nem podem entendê-los, tal como
nós, que também não entendemos o que dizem, embora entendamos o que
pretendem...
Observai, de seguida, os
nossos jovens e vereis que muitos deles estão desligados da política. Esta
está bem longe do horizonte das suas preocupações. Enquanto os pais
assegurarem as suas necessidades (que por vezes são vícios) não têm de se
preocupar com o dinheiro. E, nesse caso, a sua prioridade é “curtir a vida”,
ouvir música da pesada, drogar-se; e perpetuarem os seus estudos a fim de
poderem vir a ser “alguém” na vida e, desse modo, justificarem as benesses paternas.
Neste contexto, “ser estudante” é usufruir de um estatuto, de um status, que
enquanto durar os livra de problemas e compromissos. Compromissos esses que
tentam protelar enquanto puderem porque até eles sentem o país nas mãos de
gente descomprometida. O problema surge quando se dão conta que não têm
dinheiro, que o gastaram.
Nessa altura, a sua
prioridade é encontrar um emprego que lhes assegure uns tostões para o lar. E
é aqui que começam os problemas, pois o desemprego é grande. Há depois
aqueles que são mais astutos e que vivem de “expedientes”, de mercado negro,
da corrupção, modus vivendi também muito usual em certos homens de
fato e gravata.
Então, por quê os louvores
à democracia? Para responder a esta questão temos de ver quem é que a louva.
É a maioria dos políticos que, sem ela, nada seriam e os outros que, já
sendo alguma coisa, têm de entrar no jogo, no “clube” para daí tirarem mais
benefícios, sob pena de se verem excluídos... É também toda a estirpe de
intermediários e audaciosos que beneficiam da situação tipo “laissez
faire, laissez passer” para porem à prova seus dotes de oportunismo alimentado
pela ausência de escrúpulos. Os demais, incluindo a pequena burguesia (classe
praticamente extinta) saem sempre a perder, levados na onda da incultura e da
massificação dos mass media que se encarregam de fazer repetir na boca
do povo os ditos louvores, tal ovelha astuta, cúmplice do mau pastor, que põe
as outras a fazer e a repetir o mesmo slogan...
Ah, Velho do Restelo, quanto
do teu sal são lágrimas de Portugal!
Eduardo Amarante