Pela sua importância simbólico-iniciática, não
podemos deixar de referir o santuário de Panóias, que está situado próximo de Vila
Real de Trás-os-Montes. No passado remoto (nomeadamente no tempo do imperador
romano Constantino) foi parte integrante da província da Galiza.
Neste lugar sagrado faziam-se rituais e, se bem
que as cerimónias aí praticadas ascendessem, em parte, aos tempos proto e mesmo
pré-históricos, apenas resta hoje uma única inscrição com características
pré-romanas. Os cultos estavam dedicados especialmente ao deus Serápis. Numa
das fragas deste santuário lusitano-romano existe uma inscrição em grego que
foi interpretada por J. Leite de Vasconcelos conforme segue:
“Ao Altíssimo (Deus) Serápis, por favor da sorte
e dos mistérios (em que está iniciado), G. C. Calpurnio Rufino, atendido como
foi, no voto que fizera (dedica este monumento)”.
Todavia, Alain Tranoy traduz esta mesma
inscrição do seguinte modo:
“Ao Altíssimo Serápis, com o destino e os
mistérios, G. C. Calpurnius Rufinus, claríssimo”.
Uma outra inscrição encontrada no mesmo
santuário é traduzida por J. Leite de Vasconcelos da seguinte forma:
“G. C. Calpurnio Rufino consagrou este templo
aos deuses e às deusas e a todos os numes em geral [divindades da natureza no
panteísmo (*)], e também aos das Lapiteas, num tanque perpétuo (ou indestrutível), onde as vítimas
se queimam segundo o voto”.
Para além da inscrição dedicada a Serápis, há
ainda em Panóias outras igualmente de carácter sagrado, pelo que o lugar era
indiscutivelmente um santuário, um Serapeum,
ainda que aí se venerassem outras divindades. Serápis recebia, não raras com
outros deuses, a veneração dos fiéis num mesmo recinto sagrado. Em tais casos,
as inscrições tratam estas outras divindades por “os deuses adorados no mesmo
templo”.
No Santuário de Panóias também existem algumas
fragas em cuja superfície foram feitas amplas cavidades rectangulares (nas
quais cabe perfeitamente um homem), com encaixe, o que nos leva a crer que
outrora tivessem tampas.
De acordo com a tradição antiga, estas cavidades
serviriam como ritos de passagem para estádios de consciência superior, função
similar à que se fazia nos Mistérios de Iniciação no Egipto. Este conjunto de
cavidades encontra-se num vasto penedo, a cujo cimo nos conduz uma escada de
nove degraus talhados na própria rocha. Essas cavidades, em número de cinco,
têm todas a forma rectangular.
De acordo com J. Leite de
Vasconcelos, o templo de Panóias era um Serapeum
e aí se celebravam mistérios, segundo os ritos greco-egípcios. Por tudo isto
podemos afirmar que, nesse lugar existiu, numa época remota, um “Serapeum Pantheum”, tal como, aliás, também
houve em Beja, onde era usual o termo “Serapis Pantheus”, empregando-se o
epíteto “Pantheus” para designar uma
divindade que possuía as qualidades de outras e, em alguns casos, de todas as
conhecidas.”
(*) O panteísmo é uma doutrina que defende a tese de
que Deus e o Mundo são um único Ser sem qualquer distinção ou separatividade. A
um nível místico, procura encontrar a presença de Deus em todas as coisas.
in Eduardo Amarante, “Portugal
Simbólico – Origens Sagradas dos Lusitanos”.